domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cumprimento defeituoso da obrigação - Acto médico




O Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, mantem os valores de indemnização fixados na primeira instância em caso de erro médico.
A situação resumidamente é a seguinte:
Um doente é sujeito a uma intervenção cirúrgica - arterialização associada a laqueação venosa selectiva e plicadura e cura cirúrgica de varicocele bilateral, - com base em determinado diagnostico determinado por alguns exames, nomeadamente uma TAC crânio-encefálica e uma ressonância magnética crânio-encefálica, (que mostraram que o paciente sofria de uma esclerose múltipla, o que lhe foi diagnosticado, mais tarde). Este facto poderia ser sinal de que o doente não deveria ter sido sujeito aquela intervenção cirúrgica.
O doente apresentou queixa-crime contra o médico imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar os crimes de ofensa à integridade física grave, por negligência, e de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, previstos e puníveis pelos arts 148°/3, 150° e 156°, nºs 1 e 2, do Código Penal, dando inicio a um processo de inquérito no DIAPD.
O inquérito terminou com despacho de arquivamento por se entender que não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de ilícitos imputados.
A questão discutida, entre outras, neste caso, com interesse jurídico versa sobre a
inevitabilidade dos erros médicos. Para que possa existir responsabilidade do médico é necessário que da sua conduta resulte ilicitude e culpa. A ilicitude e culpa são aferidas na análise da conduta profissional que implique «…uma falta de cuidado ou de atenção susceptíveis de produzir um diagnóstico errado, com inevitáveis consequências nos resultados terapêuticos. Uma interpretação de resultados de exames grosseiramente errada leva a um erro de diagnóstico, com as consequências daí advenientes. No estado actual da medicina, os exames e testes científicos tornam muito seguro o diagnóstico médico, impondo um aumento de responsabilidade do médico em interpretar devida, cuidada e atentamente o resultado desses exames, para diagnosticar correctamente a doença e assim responder à confiança em si depositada pelo paciente.
Um erro de diagnóstico é um erro médico».

Segundo  Germano de Sousa - Negligência e Erro Médico, Boletim da Ordem dos Advogados, nº 6, Fasc. 1, pág. 127 a 142, «…erro médico é a conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente…” importando “…diferenciar o erro médico culposo do erro médico resultante de acidente imprevisível, consequência de caso fortuito, incapaz de ser previsto ou evitado».

E acrescenta «…a imperícia resulta de uma preparação inadequada que consiste em fazer mal o que deveria, de acordo com as leges artis, ser bem feito, não devendo o médico ultrapassar os limites das suas qualificações e competências…, a imprudência consiste em fazer o que não devia ser feito… e a negligência em deixar de fazer o que as leges artis impunham que se fizesse…».


O Acórdão conclui da matéria de facto provada que «o médico cometeu um erro de diagnóstico» porque de acordo com as leges artis, era exigível ao médico perceber que a disfunção eréctil de que o autor padecia não era de causa orgânica e que os resultados dos exames médicos realizados contra-indicavam a realização de qualquer intervenção cirúrgica».
Assim, actuando o médico com negligência este agiu com culpa.
Com interessa, o acórdão explica que a culpa do médico não resulta do facto de não ter
acertado com a doença de que padecia o doente (que se soube depois que era esclerose múltipla), mas antes, pelo facto de os resultados dos exames levarem à conclusão de que uma intervenção cirúrgica seria contra-indicada.
Mas, por outro lado, os mesmos resultados nunca levariam ao diagnóstico da doença neurológica.
Quer isto dizer que o médico com aqueles resultados poderia não acertar (tal como não acertou) com o diagnóstico certo – esclerose múltipla – este facto corresponde a um erro de diagnóstico inevitável, porque qualquer outro médico poderia cometer nas mesmas circunstâncias e com os mesmos dados, o mesmo erro de diagnóstico.
A ilicitude do comportamento médico é pois não ter percebido que os exames e análises não apontavam para doença orgânica e contra-indicavam qualquer intervenção cirúrgica.
Ora, ao interpretar os resultados dos exames como se apontassem para uma doença orgânica, fazendo pois um diagnóstico da doença como se fosse uma doença orgânica e tratando-a como tal, o réu incorreu em má prática médica.

Refere o citado Acórdão que «Os erros -faltas/lapsos ou enganos, médicos não são, no entanto, só por si, actos negligentes. São antes os factos a que se aplica a qualificação de negligência, se merecerem esse juízo. Daí que Sónia Fidalgo (Responsabilidade penal por negligência no exercício da medicina em equipa, Coimbra Editora, 2008, pág. 35) diga que “erro médico não é sinónimo de negligência médica”; Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues (Responsabilidade Civil por Erro Médico: Esclarecimento/Consentimento do Doente) diga que “nem todo o erro médico, como falha profissional, assume relevância […] civil, mas apenas aquele que […] pelos danos causados e reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil (ilicitude, culpa e comprovado nexo de causalidade entre os danos e a conduta ilícita), constitua o seu autor no dever de indemnizar».
«Não se pode afirmar, por princípio, que o erro de diagnóstico seja constitutivo de culpa médica, uma vez que se trata de um acto de prognóstico, sendo o resultado de um juízo, podendo, então, o diagnóstico ser erróneo se o juízo for falso” “sendo o erro um equívoco no juízo e não se encontrando o médico dotado do dom da infalibilidade, o erro de diagnóstico será imputável, juridicamente, ao médico, a título de culpa, quando ocorreu com descuido das mais elementares regras profissionais, ou, mais, precisamente, quando aconteceu um comportamento inexorável em que o erro se formou».
Assim, havendo erro está-se apenas a falar da prova, - que há um cumprimento defeituoso da obrigação ao doente, no caso da responsabilidade obrigacional, ou da prática de um facto objectivamente ilícito no caso da responsabilidade extra-obrigacional.
Ainda no âmbito da culpa, no âmbito da responsabilidade contratual, a culpa do réu presume-se – art. 799.º do Código Civil. E neste sentido, cabia ao médico demonstrar que o erro de diagnóstico não corresponde a comportamento censurável da sua parte, ou seja, que um médico especialista de urologia, naquelas mesmas circunstâncias objectivas, teria caído naqueles mesmos erros – arts. 799/2 e 487/2, ambos do CC, Romano Martinez, pág. 470: «a culpa é apreciada segundo um padrão médio, de razoabilidade», «determina-se, em abstracto, segundo a diligência de um bom pai de família, atendendo a um elemento objectivo, as circunstâncias do caso».
«Tendo em conta o acto médico, dir-se-á que a culpa do clínico a quem é imputada a responsabilidade pelo dano é apreciada segundo um padrão geral, abstracto portanto, mas sem descurar as circunstâncias do caso, ou seja que o comportamento médio (padrão) tem de ser aferido em função da realidade profissional – actividade médica – e da especialização concreta – por exemplo, cirurgião ou pediatra».
Não tendo o médico afastado a presunção de culpa, fica provado a existência de comportamento culposo.

O paciente que fez um pedido de indemnização por negligência no cumprimento de uma obrigação, só tem que provar que obrigação não foi cumprida como o devia ter sido, ou seja, o defeito no cumprimento da obrigação.
Posto de outro modo, é ao réu que cabe ou alegar factos que impeçam a demonstração de que a obrigação foi defeituosamente cumprida ou alegar factos que demonstrem que o cumprimento defeituoso da obrigação não lhe é censurável.

Assim, um diagnostico elaborado sem o devido cuidado preenche o pressuposto do cumprimento defeituoso da obrigação.
Estando preenchidos os requisitos da responsabilidade contratual do médico sobre o mesmo recai o dever de indemnizar.
O Acórdão da Relação manteve os valores determinados na primeira instância: indemnização por dados patrimoniais no valor de 15000.00 euros enquanto para os danos não patrimoniais 5000.00 euros.




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